ASPECTOS DA TRAJETÓRIA TEÓRICO-METODOLÓGICA DA GEOGRAFIA AGRÁRIA NO BRASIL



Resenha do texto “ASPECTOS DA TRAJETÓRIA TEÓRICO-METODOLÓGICA DA  GEOGRAFIA AGRÁRIA NO BRASIL”, de Silvio Carlos Bray . In: CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 3, n. 5, p. 5-13, fev. 2008.


O objetivo do artigo é entender o papel desempenhado pelos geógrafos agrários no contexto do movimento da sociedade e na relação com os demais estudiosos da agricultura brasileira da década de 30 a 80.

A geografia nacional teve uma dinâmica própria em relação ao movimento da sociedade e dos estudiosos da agricultura brasileira:
 - períodos de vinculações com os demais cientistas sociais;
 - desvinculações das questões nacionais, apoiando-se em teorias, métodos e técnicas dos geógrafos agrários europeus;
 - construir um conhecimento científico neutro da realidade agrária-local, regional e nacional.

Na década 30, instalaram-se em São Paulo e Rio de Janeiro os cursos de geografia com uma orientação positivista-funcionalista-culturalista, com uma base francesa.

O momento era de descoberta das oligarquias em sua vida social, política, psicológica e íntima da vida nacional e passava por questões do brasileiro bom e pacato, mestiçagem como forma positiva e importância de diferentes classes sociais.

Conforme o culturalismo francês absorvido na academia brasileira na época, a abordagem sistêmica organicista, o método positivista e o liberalismo econômico como doutrina, predominava um equilíbrio sociedade-natureza.

Assim, há uma necessidade de demonstrar a neutralidade da ciência e sua desvinculação com políticas. A geografia seria demonstrativa e informativa, com a construção de uma ciência para ciência. A prestação de serviços e apresentação de justificativas para o novo Estado era essência do pensamento positivista e liberal político burguês, mesmo defendendo a liberdade do pesquisador e sem atrelar a interesses do Estado.

A geografia no Brasil teve sua afirmação através da busca constante de utilidade operacional e prestadora de serviço de geografia. Os fatores geográficos faziam parte de um entrelaçado todo vivo, num complexo geográfico. Compreendendo as relações, ações e interações deste complexo, é que o geógrafo deve compreender a realidade. Resulta-se os gêneros de vida.

Através deste método que os geógrafos agrários deveriam aprofundar na vida agrícola, as diferentes formas de tipo de agricultura, cultura com seus problemas, soluções técnicas. Estudariam as condições geográficas e sociais daquelas linhas de análises e investigações. Para isso, os geógrafos deveriam substituir a retórica vazia pela observação minuciosa e análise. Assim, surgia uma contradição da rigidez metodológica entre a visão positivista-empirista adotada pelos geógrafos agrários da observação dos fatos essenciais.

A geografia estudava os fenômenos agrários do país, mas estava pouco vinculada aos movimentos agrários da sociedade e dos pesquisadores não geógrafos. Paralelo a isto haviam estudos nas linhas da geografia agrária europeia utilizando no Brasil, situações estrangeiras e que causou mais contradições.

No início da década de 60 houve uma abertura maior nos estudos brasileiros e maior envolvimento com a questão do movimento agrário brasileiro e as lutas campesinas. Há aí um rompimento da geografia com a neutralidade passando a constituir conhecimento como ciência e como fator de cidadania.

Caio Prado Júnior afirma, no prefácio de Manuel Correia Andrade, em “A Terra e o Homem no Nordeste”, que não é único interesse científico tratar relações dos homens e suas atividades produtivas e como se comportam uns aos outros e o conjunto com atividades econômicas. No momento em que se inicia a discussão de reforma agrária, não basta recorrer a discursos sociológicos, conhecimentos gerais e princípios doutrinários e jurídicos. A estrutura agrária e as relações no campo são extremamente complexas e cabia uma abordagem científica.

A visão liberal política burguesa classificava radical as abordagens marxistas, inclusive a de Prado e Andrade. Nas décadas de 30, 40 e 50, não houve aceitação de obras na geografia nacional. Estes autores criticavam o comportamento metodológico generalizante e com pouco efeito as análises concretas da realidade nacional, ainda mais se focavam nas formulações gerais e imprecisas do contexto agrário. Criticavam também que a realidade brasileira de exploração rural era diferente da economia camponesa da Europa.

A partir da década de 50, é importante a contribuição dos pesquisadores citados, quando os mesmos trabalham a necessidade do rigor científico. Não existiria neutralidade da ciência, pois o analista sempre influenciaria a análise. O cientista se posicionaria como cidadão e rompendo o método europeu de interpretar a realidade agrária nacional.

Na década de 60, os modos de produção capitalista ainda eram desconhecidos pela grande maioria dos geógrafos agrários nacionais e difundiam-se as teses de Caio Prado Júnior nos meios acadêmicos. Entretanto, ainda continuavam a permanecer os referencias teóricos-metodológicos da geografia agrária europeia. O geógrafo agrário do país ainda era mantido pela burguesia como cientista neutro, com a separação da ciência da política.

Na década de 70, com a modernização acelerada da agricultura nacional e urbanização e industrialização no campo, inicia-se a crítica conservadora aos modelos adotados anteriormente. O neopositivismo influencia os geógrafos que refutam a ideia da agricultura ser empecilho do desenvolvimento.

O economista Ruy Muller é tratado com uma evolução nos referenciais por introduzir a limitação do mercado consumidor dos produtos agrícolas que, até então, não havia sido considerado por outros estudiosos.

Os primeiros encontros nacionais de geografia agrária a partir de 1978 mostram essa abertura no encaminhamento para estudos da agricultura brasileira e das pesquisas, revelando a importância da questão agrária ao nível das ciências humanas e vão, no decorrer do tempo, tratando com cientistas sociais e estudiosos da temática.

O autor finaliza na década de 80, onde fica claro o vínculo na ótica marxista com as transformações dos modos de produção capitalista. Com um discurso da geografia nacional é rompido com o liberalismo político burguês e a geografia agrária vem avançando, com análises sociais da realidade agrária nacional. 

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